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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Continuidade da alta do dólar será maior preocupação do ano, dizem especialistas em Davos

DAVOS - Num momento em que as ações de política monetária são encaminhadas de formas opostas pelos principais bancos centrais do mundo, é a apreciação do dólar que será a maior preocupação para a economia global este ano, na avaliação de participantes do painel "Política Monetária: qual é o rumo?" , realizado pelo Fórum Econômico Mundial de Davos.

Para a maioria dos participantes, este pode ser um ponto de tensão no globo, levando, inclusive, a moratórias de países emergentes endividados na moeda americana. Na avaliação de Anthony Scaramucci, no entanto, um dos nomeados pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para compor o comitê de transição, o movimento pode ser positivo. "Eu não sei dizer o que vai acontecer exatamente (com o rumo do dólar). O que acho mais provável é que haverá um crescimento maior do que o previsto da economia americana, mesmo com o dólar subindo", disse.

O importante, de acordo com Scaramucci, é que os Estados Unidos puxarão a expansão global em 2017, criando um círculo virtuoso do consumo e da confiança, encabeçado mais pela classe média. "E isso é bom para o mundo", concluiu. Ele enfatizou que, historicamente, as taxas de juros americanas são baixas e que, dado o comportamento da economia global, é hora de normalizar. O integrante do governo americano disse que, como o mundo é injusto, um dos papéis do Estado é torna-lo um pouco mais igual.

Scaramucci disse também que a renda salarial média nos Estados Unidos atualmente está cerca de 10% menor do que no início da crise financeira internacional, que as pessoas estão tendo que trabalhar 16 horas por dia e citou um caso de família. "Este era o sentimento nos comícios do Trump", relatou.

O co-fundador e um dos principais executivos da empresa de gestão de ativos Carlyle Group, David Rubenstein, alertou para o fato de que se o dólar continuar a se fortalecer, será preciso fazer uma reestruturação porque muito da dívida de países é indexada à moeda americana. "Seria irônico que o México tivesse que ser socorrido pelo governo (americano)", disse, na frente do integrante da equipe de Trump. "Alguns mercados emergentes não aguentam muito tempo mais de alta do dólar", previu.

Rubenstein também colocou em dúvida a capacidade do governo americano de continuar se endividando para estimular a economia local sem incorrer em outro problema, o da inflação. "Se o dólar continuar a subir, este será o principal problema do mundo este ano", considerou.

Para o presidente do Conselho de Administração do Banco Nacional Suíço, Thomas Jordan, a divergência entre as ações dos maiores bancos centrais do mundo não chega a ser uma coisa ruim.

Até porque, de acordo com ele, não há espaço para um afastamento muito maior dessas políticas que levem a posições mais radicais. Jordan acredita que o Federal Reserve (Fed, o BC dos Estados Unidos) deva continuar elevando os juros, mas não por muito tempo. Até porque, citou, o dólar mais elevado é um ingrediente que passa a ser monitorado. "O movimento deve ser gradual e limitado", previu. Na sua avaliação, o fortalecimento do dólar pode até ser bom para a economia europeia, que fica mais competitiva do ponto de vista das exportações.

Momento caótico. Para o economista da Universidade de Harvard, Li Daokui, o mundo passa hoje por um período caótico, com o Fed anunciando há meses que vai elevar os juros. Com isso, observou, o dinheiro começa a voltar para a economia americana - mais de US$ 600 bilhões só da China. "O dinheiro está voltando e a China não está sozinha", disse. Isso, de acordo com ele, é uma prova de que a política monetária não está atingindo seu objetivo. "Talvez o Fed tenha que atuar de forma não convencional", sugeriu, sem dar mais detalhes.

Daokui ressaltou que todos os bancos centrais do mundo, com exceção do Fed, estão lidando com depreciação de suas moedas. "O dólar está hoje mais internacional, mais importante do que oito anos atrás", pontuou, acrescentando que todos precisam saber disso, inclusive Trump. O Fed também precisa ser mais internacional e ter noção de todo seu impacto mundial, segundo o economista. "Transmissão (da política monetária) é a palavra chave em 2017", considerou.

Já a professora da Universidade de Columbia, Carmen Reinhart, ressaltou que a atuação do Fed tem sido a mais lenta desde a sua fundação, em 1913. Uma preocupação que ela demonstrou foi a possibilidade de haver uma ação mais rápida do comitê com o início do novo governo. A alta do dólar, na avaliação da professora, pode levar a uma normalização desse ritmo, que é hoje muito mais distante para o Banco Central Europeu (BCE) e Banco do Japão (BoJ).

Carmen ressaltou que, desde a crise financeira de 2008, os BCs têm atuado mais na área de política fiscal. "Isso não quer dizer que o BC é uma sucursal do governo, mas tem feito mais política fiscal", considerou. Ela também acredita que a continuidade de uma forte apreciação do dólar pode gerar defaults nos mercados emergentes.

Já o presidente do UBS e ex-presidente do Deutsche Bundsbank (o Banco Central alemão), Axel Weber, não enxerga uma equalização das políticas monetárias - de um lado, o Fed e de outro, BCE e BoJ. "Acho que não vai equilibrar porque o BCE ainda vai continuar sua política, não vai seguir o Fed, mas todos devem agir de uma forma mais suave", estimou. Para ele, a combinação de política fiscal e monetária pode ser uma boa solução. Ele lembrou que, na Europa, todos estão em campanha política. "Agora é tempo para fazer promessas de campanha, de falar para os eleitores", salientou.

Para Weber, o Fed tem trilhado mais pelo caminho mais conhecido do que usando intervenções. Ao mesmo tempo, ele acredita que os bancos centrais começam a voltar a ter um enfoque mais amplo depois da crise, com o fortalecimento da política fiscal. "Apreciação do dólar atual dos últimos cinco meses não é uma novidade, é uma correção. Acho que vai continuar", disse, argumentando que taxas de juros na Ásia e na Europa também colocam mais pressão sobre o dólar. 

Fonte: Estadão