O Japão busca em um programa de relaxamento monetário radical a solução para um problema tão ou mais complexo do que a debacle financeira que arruinou as economias desenvolvidas a partir de 2008 - a deflação crônica. Eleito em dezembro, o primeiro ministro Shinzo Abe empenha-se agora na mais séria tentativa para livrar o Japão de uma estagnação econômica que perdura desde o estouro da bolha de ativos de 1989. Se há uma abundante série de políticas disponíveis e exemplos de êxito no combate a processos inflacionários, receitas e lições escasseiam quando se trata da deflação. Um retrato evidente do mal: o Produto Interno Bruto do Japão é hoje praticamente igual ao de 1991, segundo cálculos da revista "The Economist".
Abe deu um choque de ânimo nos investidores ao lançar em 4 de abril as bases de seu programa das "três flechas", combinando afrouxamento monetário, mudanças fiscais e reformas econômicas. A primeira parte do programa é inteiramente conhecida. O Banco Central japonês se encarregará de dobrar a base monetária do país e gastar pelo menos US$ 1,4 trilhão para atingir o objetivo de produzir uma inflação de 2% em um período de até dois anos. Enquanto os programas do Fed consumiram 0,5% do PIB por ano, o de Abe dobra a aposta e equivale a 1% do PIB japonês, de US$ 7 trilhões. Com a maior dívida pública bruta do mundo, 245% do PIB (a líquida é de 143%), o governo do Partido Liberal Democrático elevará a taxação sobre o consumo de 5% (a menor entre as economias relevantes) para 8% e, em outubro de 2015, para 10%, aliviando, por outro lado, o peso tributário sobre as empresas.
O programa de reformas, sobre o qual recai o maior ceticismo, teve seu detalhamento adiado. Em discurso ontem, Abe deixou implícito que ele virá após as importantes eleições para o Senado, em junho. Mas as tarefas são conhecidas e de difícil execução: mudar a previdência, abrir a economia, especialmente no setor de serviços e na agricultura, e dar maior flexibilidade ao mercado de trabalho.
A euforia tomou conta dos mercados para dar em seguida lugar às dúvidas sobre a viabilidade do "Abenomics". Mesmo com as quedas recentes, a bolsa de Tóquio acumula alta de 27% no ano, depois de uma esticada de mais de 70%. O iene teve forte desvalorização, e ainda se situa 13% abaixo de meados de 2012. A alta dos rendimentos dos títulos do governo trouxe o mais importante sinal de angústia dos mercados, dividindo os investidores sobre a viabilidade do plano.
Para uns, Abe envolve-se em missão impossível ao buscar simultaneamente elevar a inflação e baixar os juros. Para outros, o aumento dos rendimentos dos títulos ocorrerá de qualquer forma, porque o nível de 0,31% (5 de abril) é incompatível com uma inflação de 2%, embora nada desprezível com deflação de 0,9%, como em março. O aumento dos juros, porém, não pode ser maior que a inflação prevista. Um dos problemas do Japão é a elevada poupança, mesmo com juros muito baixos, que com a deflação se tornam razoavelmente positivos.
Produzir inflação pode ser infernalmente complicado. A compra maciça de títulos públicos já desvalorizou os papéis em poder dos grandes detentores, os bancos, cujas perdas podem levar a um aperto no crédito indesejado para a retomada da economia. Um erro de calibragem dos juros pode elevar a gigantesca dívida pública japonesa. A monetização exagerada da dívida pública poderá fazer do BC um aprendiz de feiticeiro, ao produzir uma inflação muito acima do alvo.
Um dos aspectos centrais da política de Abe é levar os consumidores às compras - hoje, eles sabiamente se retraem com a certeza de que os preços amanhã serão menores. O primeiro ministro quer que as empresas invistam mais e elevem os salários, que movimentarão o consumo, enquanto juros zero ou negativos desestimularão a poupança. Há sinais encorajadores. Os salários em abril subiram 0,3%, a maior alta em um ano.
Os gastos de capital das grandes corporações, contudo, caíram quase 5% no primeiro trimestre do ano. Os lucros das empresas japonesas crescem pelo segundo ano a uma velocidade bem maior que a média mundial (Bloomberg, 4 de junho), e precisam ser convencidas de que vale a pena investir na atividade doméstica e distribuir mais dividendos a seus acionistas. O entusiasmo inicial com o plano Abe foi vital para que ele vá em frente. O sucesso, se ocorrer, não será algo rápido nem indolor.
Fonte: Valor Econômico