Uma moça de cabelos compridos segurando uma pilha de folhetos aborda o japonês, que está de terno cinza, camisa social e sem gravata. “Olá”, diz a moça, entregando-lhe um folheto com desconto de 15% na loja on-line dela.
“O que você faz?”, pergunta Mikitani. Katy Tanis conta que é designer de roupas infantis e “obcecada pelo Pinterest”.
Ela faz uma pausa. “E você?”
“Nós trabalhamos com comércio eletrônico no Japão e nos Estados Unidos”, responde Mikitani de forma despreocupada. Ele beberica o vinho e Tanis segue em frente, sem saber que conheceu o bilionário que administra a Rakuten, maior empresa de comércio eletrônico do Japão, que recentemente liderou um investimento de US$ 100 milhões no Pinterest.
Por trás da conduta calma de Mikitani está um dissidente da cultura corporativa japonesa de 47 anos que possui planos globais quase exorbitantes. Seu patrimônio é de cerca de US$ 6 bi- lhões, graças, em grande parte, a seus 44,7% de participação na Rakuten. Ele diz que um dia ela será a maior empresa de serviços via internet do mundo, um mercado abrangente de empréstimos por cartão de crédito, móveis, viagens e filmes por streaming. Isso o coloca contra empresas como Google e Apple, mas seu alvo real estava estampado em uma camiseta que ele deu a um editor de livros em um evento recente em Tóquio. Dizia apenas “Vencer a Amazon”.
Missão difícil. A Amazon é um colosso: US$ 48 bilhões em receitas, US$ 111 bilhões em capitalização de mercado e mais de 100 milhões de visitantes por mês. Comparada a isso, a Rakuten é minúscula. Ela registrou um prejuízo de US$ 14,2 milhões no exercício fiscal de 2011 sobre uma receita de US$ 4,9 bilhões, devido a uma despesa de US$ 600 milhões em sua atividade de cartões de crédito no Japão causada por uma mudança nas regras locais de empréstimo. Seus sites de comércio eletrônico fora do Japão estão abaixo até do segundo lugar em seus mercados. Sua incursão na China fracassou. Enquanto as ações da Amazon dispararam, as da Rakuten não chegaram a triplicar nos 12 anos desde sua abertura de capital, e caíram 10% neste ano.
Mesmo assim, os colaboradores acreditam no homem a quem chamam de Mickey. Os cerca de 10 mil funcionários da Rakuten sintonizam fielmente as transmissões de dez minutos que ele faz em reuniões que envolvem toda a empresa às terças-feiras. Ele publicou dois livros no Japão exaltando os princípios que seus funcionários devem adotar a cada dia. Esses princípios incluem aprimoramento constante, satisfação dos clientes e “Rapidez!! Rapidez!! Rapidez!!”. A Rakuten não contrata pessoal de limpeza; os colaboradores arrumam a sede de Tóquio para, segundo Mickey, “voltarmos ao básico”. O crescimento e os modos iconoclastas da Rakuten garantiram a ela o sétimo lugar na lista FORBES de Empresas Mais Inovadoras do Mundo deste ano.
A Rakuten não fornece previsões de faturamento nem de lucro, mas a empresa de pesquisa RetailNet Group calcula que o valor bruto das vendas da companhia aumentará de US$ 18 bilhões este ano para US$ 27 bilhões até 2016, mantendo uma taxa de crescimento anual de 12,2% e a posição da Rakuten de terceira maior empresa mundial de comércio eletrônico, atrás da Amazon e da chinesa Taobao. Grande parte desse crescimento virá das ondas de compras de Mikitani.
Nos últimos dois anos, ele absorveu uma série de empresas estrangeiras, pagando US$ 250 milhões pela norte-americana Buy.com, US$ 38 milhões pela britânica Play.com e US$ 315 milhões pela empresa canadense de leitores eletrônicos Kobo. O investimento no Pinterest, uma rede social com 20 milhões de usuários que atraem tráfego para toda a web, é uma parceria estratégica. Mikitani vislumbra que os usuários das galerias do site, que rolam sem parar, acabarão por “pinar” imagens usando uma identificação da Rakuten, que é como um número de conta do iTunes e já é usada por 80 milhões de japoneses.
O acordo com o Pinterest mostra a maneira diferente pela qual Mikitani atua no comércio eletrônico em comparação com a Amazon. Ele quer que os usuários naveguem por seus sites por gostarem, e que as compras venham como consequência. Mikitani denomina isso de “compras por descoberta”.
Outro aspecto que a diferencia da Amazon, com seu foco em agradar aos clientes, é que a Rakuten se concentra em agradar aos comerciantes. Seus 40 mil vendedores anunciam de tudo, desde chocolates até ingressos para shows, e pagam à Rakuten um aluguel mensal de US$ 630, em média, e uma comissão de 3% sobre as vendas. Ela emprega 500 consultores de comércio eletrônico, que dão assessoria gratuita em marketing, operações e contratações. Os comerciantes podem customizar suas frentes de loja e comunicar-se diretamente com os clientes, para que estes sintam que estão lidando com gente de verdade. Ele acha que uma visita à Amazon ou ao eBay tem mais a ver com a busca de algo barato e prático. Mikitani não vê sua ambição de derrubar a Amazon como algo tão despropositado. A internet é um lugar fluido, e o comércio eletrônico ainda está na infância, apesar de existir há quase duas décadas. Apenas 18% das empresas dos países da OECD se preocupam em vender on-line.
Mikitani tem como meta expandir de dez para 27 países em cinco anos e obter 70% das vendas fora do Japão, partindo dos 10% atuais. “Precisamos crescer de maneira agressiva, global”, afirma.
O empresário foi criado na cidade portuária de Kobe, no Japão, em uma família imersa no mundo dos negócios e no meio acadêmico. Seu avô ajudou a fundar a fabricante de câmeras Minolta, e seu pai foi professor de economia e lecionou em Yale. Quando papai dava aulas nos Estados Unidos, o jovem Mikitani ia a reboque, e quem o conhece diz que essa exposição à América plantou as sementes de suas ambições globais. Exímio tenista, Mikitani estava prestes a se tornar profissional quando, em vez disso, aos 25 anos de idade, entrou no Industrial Bank of Japan (IBJ), que já foi um dos maiores bancos do mundo.
O IBJ selecionou-o para fazer um MBA em Harvard em 1991. Uma das primeiras coisas que ele notou foi que os americanos respeitavam os empreendedores muito mais do que os japoneses. Ele se formou em 1993 e voltou às atividades bancárias de investimento, debatendo-se com sua lealdade ao IBJ. Então, em janeiro de 1995, veio o forte terremoto de Kobe, que matou milhares de pessoas, inclusive um casal de tios e alguns amigos de Mikitani. Foi uma dura lição sobre a fragilidade da vida.
Um ano depois, ele saiu do banco e abriu sua própria empresa de consultoria; depois fez decolar uma pequena empresa de comércio eletrônico, muito provavelmente para ajudar o Japão e Kobe na reconstrução pós-terremoto. Mikitani e uns poucos jovens cofundadores colocaram no ar seu pequeno portal de compras on-line em maio de 1997, com US$ 250 mil de recursos próprios, sem capital de risco. O site começou com 13 lojas, a maioria de propriedade de amigos de Mikitani. Para incluir mais lojas, ele e outros colaboradores visitavam comércios familiares, muitas vezes fazendo flexões fora da loja para poderem entrar sem fôlego e cobertos de suor. A ideia é que os céticos donos de loja confiariam mais em um cara comum, trabalhador, do que em um vendedor vestindo um terno bonito.
A operação de sedução funcionou. No segundo ano, 320 comerciantes haviam se inscrito na Rakuten Ichiba (ichiba significa “mercado”). Até o fim de 1999 já eram 1.800, de acordo com artigo recente da revista Wired. E o lucro havia chegado a US$ 1 milhão sobre vendas de US$ 5,5 milhões, segundo o livro Executive Strategy, de 2001, que usou a Rakuten como estudo de caso. Ela tinha uma margem de lucro saudável (para uma empresa de comércio eletrônico), de 17%. E estava obtendo 80% de sua receita a partir de comissões sobre vendas e taxas de filiação, enquanto 10% vinham de publicidade e 10% de leilões. Seu modelo de negócios funcionava especialmente bem no Japão, onde as lojas físicas aumentam muito o preço dos produtos para compensar a onerosa distribuição por atacado. Os produtos vendidos on- line são quase sempre mais baratos. Uma faixa de quimono que custa US$ 1.300 na Kyoto Kimono Ichiba saía por apenas US$ 130 na loja do varejista na Rakuten.
No início dos anos 2000, a Rakuten começou a comprar outras propriedades da internet, incluindo uma corretora do Credit Suisse First Boston em 2003 e 22% do site de turismo Ctrip.com em 2004, por US$ 109 milhões. No ano seguinte, a Rakuten pagou US$ 425 milhões pela LinkShare, uma rede de publicidade on-line que alegava estar ligada a 2% das transações de comércio eletrônico nos Estados Unidos. Segundo sua cofundadora Heidi Messer, a LinkShare tinha várias propostas, mas escolheu a de Mikitani porque seus colegas gostaram do foco global da Rakuten.
Mikitani passou os anos seguintes expandindo para outros setores no Japão, entre os quais os de viagens, cartões de crédito, mídia, esportes e ações. Então, em março de 2010, após uma semana de deliberação, ele chocou os funcionários ao anunciar a “inglesificação”, uma regra segundo a qual todos deveriam aprender inglês em dois anos, ou correriam o risco de demissão ou rebaixamento de cargo.
Contudo, o histórico de sucesso e a legião de fãs radicais de Mikitani mascaram inúmeros problemas. A Rakuten fracassou em sua incursão na China, onde lançou o Lekutian, fechado este ano. “Nós poderíamos ter feito melhor”, admite Mikitani, acrescentando em seguida: “Mas a maior parte das coisas foram fatores específicos da China”.
De volta a São Francisco, ele ainda circula pela festa do Pinterest. Quando vê Ben Silbermann, jovem fundador do Pinterest, ele se aproxima sorrindo. “Muito obrigado por vir!”, diz Silbermann, antes de mostrar algo a Mikitani em seu iPhone. O investidor japonês dá boas risadas. Os dois se comportam como amigos íntimos. Neste ano, Mickey está passando um mês no Vale do Silício e chega a fazer seis reuniões por dia. Ele precisará voltar com muito mais frequência se acha que vai avançar sobre a Amazon, quanto mais ultrapassá-la.
Fonte: Forbes