Quando Hiroaki Nakanishi se tornou presidente da Hitachi Ltd., em abril de 2010, a gigante japonesa dos eletrônicos estava no período mais negro da sua história de 102 anos, com quatro anos de prejuízos totalizando quase 1 trilhão de ienes (US$ 12,5 bilhões).
A Hitachi agora está passando por uma das recuperações mais notáveis da história empresarial japonesa.
O presidente da Hitachi, Hiroaki Nakanishi, tem feito algo raro entre empresas japonesas: buscar lucros, mesmo à custa da geração de empregos
Enquanto outros fabricantes japoneses de eletrônicos continuam a sofrer com prejuízos nos produtos de consumo e com o impacto da moeda forte do país, a Hitachi, maior fabricante de produtos eletrônicos do Japão, registrou lucros recordes pelo segundo ano consecutivo.
Na semana passada, a empresa anunciou um aumento de 45% em seu lucro líquido no ano fiscal encerrado em março, para 347,18 bilhões de ienes (US$ 4,35 bilhões), beneficiando-se da venda da sua divisão de discos rígidos.
Sob o comando de Nakanishi, a Hitachi rompeu com um estilo pesado de gestão, pautado pela aversão ao risco. Ela se desfez de suas divisões de produtos de consumo, como celulares, peças para computador e TVs de tela plana, para se concentrar em produtos de grande porte, mais lucrativos, como usinas elétricas, ferrovias e instalações para tratamento de água.
Seu próximo passo é um ambicioso programa de corte de custos abrangendo todos os cantos do grande conglomerado, que tem o equivalente a US$ 121 bilhões em vendas anuais e 900 subsidiárias fabricando desde usinas nucleares até panelas para cozinhar arroz.
Nakanishi pretende duplicar as margens de lucro para perto de 10% até 2015, trazendo o capital necessário, disse ele, para que a empresa se torne um grande nome no cenário mundial.
"É uma questão de vida ou morte", disse Nakanishi ao The Wall Street Journal. "Para se tornar um nome global, o maior gargalo não é o volume da nossa receita, mas sim a nossa lucratividade."
Muitos dos produtos da Hitachi ficam escondidos dentro de uma vasta gama de bens. A Hitachi fornece inversores e motores para o carro elétrico Chevy Volt, da GM. Suas baterias movem os carros híbridos. Seus sistemas de armazenamento de dados estão em muitos centros de informática; seus sistemas de terapia por prótons são usados para o tratamento do câncer.
O objetivo de Nakanishi de gerar um lucro de 10% não é raro entre os gigantes globais. Empresas como General Electric Co., Siemens AG, International Business Machines Corp . e ABB Ltd. têm margens de dois dígitos.
Mas é uma meta radical para os conglomerados japoneses, que tendem a se concentrar no volume dos negócios, e não nos lucros. NEC Corp., Toshiba Corp., Fujitsu Ltd. e a maioria dos demais grandes conglomerados japoneses de eletrônicos têm margens de lucro inferiores a 5% — isso quando têm lucros. A margem operacional da Hitachi foi de 4,3% no ano fiscal mais recente.
Essas ambições mundiais exigiram uma mudança na mentalidade de Nakanishi, de 66 anos, e na empresa onde ele entrou ainda jovem, em 1970, depois de se formar na Universidade de Tóquio.
Nakanishi obteve seu mestrado em ciência da computação na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 1979, durante um intervalo em seu trabalho na Hitachi.
No início da década de 1990, ele liderou o desenvolvimento de um novo sistema de controle automatizado para o sistema ferroviário de Tóquio, capaz de atualizar os horários dos trens levando em conta os acidentes ou atrasos, e ao mesmo tempo instruir os maquinistas para aumentar ou reduzir a velocidade a fim de manter o horário previsto.
Ao contrário da mais recente história de reviravolta empresarial no Japão — o enxugamento da Nissan Motor Co. no início dos anos 2000, sob o comando do diretor-presidente franco-brasileiro Carlos Ghosn, que veio de fora da montadora — Nakanishi é um consumado homem da empresa. Com sua figura de avô, de cabelos grisalhos e óculos sem aro, ele declarou, ao ser nomeado presidente: "Ninguém conhece a Hitachi melhor do que eu".
Sob o comando de Nakanishi, a empresa se afastou dos eletrônicos de consumo e dos componentes desses produtos. Em vez disso, passou a focar-se em projetos mundiais de infraestrutura, tais como a construção de um sistema ferroviário no Reino Unido ou uma usina nuclear na Lituânia.
Os produtos de consumo devem representar menos de 10% do faturamento da Hitachi neste ano fiscal — quase a metade que apenas um ano atrás. Já seus negócios de infraestrutura responderão por dois terços da receita total da Hitachi este ano e quase 80% do seu lucro.
A venda e a construção de projetos de infraestrutura de alto preço também trazem riscos. A divisão de sistemas de geração de energia da Hitachi caiu no vermelho no último ano fiscal, devido ao tempo e ao dinheiro gastos para corrigir fissuras de soldagem em caldeiras para usinas térmicas na Alemanha.
E, embora a empresa tenha registrado um lucro recorde no ano fiscal passado, os lucros caíram 42% no ano corrente, já sem o reforço extraordinário proporcionado pela venda da sua divisão de discos rígidos por US$ 4,8 bilhões.
Mesmo assim, a recuperação da Hitachi reflete uma triste realidade do combalido setor de eletrônicos do Japão: os maravilhosos aparelhos e produtos eletrônicos domésticos que outrora simbolizavam a grande capacidade de fabricação do país já não são fontes confiáveis de lucro. Nesse panorama, a Hitachi se destaca em uma cultura empresarial restringida pelas tradições, que dificulta para os executivos fazer mudanças bruscas de estratégia.
A Sony Corp., por exemplo, perdeu dinheiro vendendo TVs durante oito anos, mas afirmou que estava focada em dar uma reviravolta na divisão, e não a abandonar. A empresa divulgou este mês seu quarto balanço anual consecutivo no vermelho, com prejuízo líquido recorde de 456,7 bilhões de ienes para o ano fiscal terminado em março, o pior de seus 66 anos de história.
Durante a maior parte dos últimos dez anos, a Hitachi foi a primeira entre as empresas japonesas de capital aberto em número de empregados. Mas durante o ano passado ela reduziu sua folha de pagamento para 323,540 funcionários, uma queda de 10,5%, sobretudo devido à venda da divisão de discos rígidos . Espera-se que o número deverá cair mais, ficando abaixo da fabricante rival de eletrônicos Panasonic Corp.
No Japão, o tamanho de uma empresa em termos de receitas e de número de funcionários muitas vezes rivaliza com a lucratividade, refletindo a visão tradicional do país de que as empresas existem para sustentar seus funcionários e contribuir para o bem maior da sociedade, não só para ganhar dinheiro.
As leis japonesas também dificultam descartar divisões e demitir funcionários. Mas a recente racionalização da Hitachi é vista por analistas como um modelo para ressuscitar a grande potência industrial que o país já foi no passado.
"Podemos começar a ver até mesmo empresas tradicionais ficando mais agressivas na busca de mais lucratividade", disse Yoshiharu Izumi, analista de eletrônica no J.P. Morgan. "As companhias japonesas seguem a maioria; assim, se uma empresa como a Hitachi diz que sua meta é alcançar margens de lucro de dois dígitos, outras empresas serão influenciadas por isso."
No mês passado, Nakanishi discursou para 800 novos funcionários. Ele disse que o futuro da Hitachi depende da sua transformação em uma empresa mundial.
"Não basta simplesmente tomar os serviços e produtos que vendemos no Japão e levá-los aos nossos clientes no exterior", disse ele. "Para descobrir realmente o que eles precisam, você não pode ficar sentado na sua mesa no Japão e estudar o assunto. É preciso ir até o local, aprender a língua e sentir o mercado por você mesmo."