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domingo, 7 de abril de 2013

Tsunami japonês

Enquanto Kim Jong Um, o presidente maluquete do lado comunista da península da Coreia, terceira geração da dinastia que governa como reis absolutistas a mais antiga e fechada ditadura do mundo, ameaça um ataque nuclear aos EUA, ao Japão e à sua contraface capitalista, Shinzo Abe, o novo primeiro-ministro japonês, provou que não fazia bravata, ao se eleger prometendo tirar a economia da deflação mesmo ao custo de uma guerra cambial aberta, por ora enrustida no mundo.

As consequências dessas decisões são imprevisíveis. Mas é certo que tanto o jovem presidente da Coreia do Norte como o veterano ex-premiê, que recebeu uma segunda chance do eleitor para superar duas décadas de deflação e estagnação da terceira maior economia global, reforça o protagonismo da Ásia (com a China no papel principal nos últimos anos) nas grandes transformações em curso no mundo.

Supõe-se que ao ameaçar fazer uso de seu arsenal nuclear, Jong Um, de fato, queira arrancar concessões dos EUA, do Japão e, sobretudo, da Coréia do Sul, começando pelo relaxamento do embargo que asfixia o país e aumenta sua dependência econômica e política da China, seu único pé de apoio no mundo. À frente de uma economia cujo poderio industrial só encontra rivais na China, nos EUA e na Alemanha, Abe não precisou de retórica guerreira para cumprir o que prometera.

Ele mostrou astúcia, ao ser cobrado na última cúpula do Grupo dos 20 se pretendia depreciar o iene recorrendo aos mesmos instrumentos empregados pelos EUA e pela Zona do Euro — o chamado quantitative easing (QE), neologismo de emissões monetárias — para sanar o mal crônico da deflação. Abe negou. Faltava-lhe remover o presidente do Banco do Japão (BoJ), Masaaki Shirakawa, cético quanto ao laxismo do iene. Tal fórmula já foi tentada em 2001 com pouco sucesso.

Abe empossou um antigo aliado, Haruhiko Kuroda, na quarta-feira, e o seu primeiro ato foi desempacotar o que chamaram de "abenomics" — uma declaração de guerra cambial, já que a depreciação do iene será o resultado do eventual sucesso da meta principal do plano: elevar a 2% em dois anos a taxa de inflação, hoje ligeiramente negativa. É um fenômeno conhecido por deflação, que acomete intermitentemente o Japão desde meados dos anos 1990. O governo chinês avisou que vai reagir, se a economia for prejudicada pela queda do valor do iene.

O dobro do QE dos EUA

O veículo do abenomics é a clássica emissão de dinheiro. Inédito é o tamanho da dinheirama que será emitida — e aplicada em títulos de dívida pública e privada, com o objetivo de desabar a taxa de juros cobrada pela banca para promover o consumo movido a crédito. Num comunicado que surpreendeu pela transparência, ao contrário da redação obscura das atas do Copom, o BoJ diz que a base monetária vai crescer ao ritmo mensal de 1% do PIB este ano e 1,1% em 2014. É quase o dobro do QE dos EUA, da ordem de 0,54% do PIB americano, no cenário do economista-chefe da Cumberland Advisors, uma consultoria financeira de Sarasota, na Flórida, Bill Whitherell.

Para arrepiar liberais

No total, a base monetária vai dobrar até março de 2015 em relação ao saldo atual de 135 trilhões de ienes. E a maturidade da carteira de papéis do BoJ vai saltar de três para sete anos, devido à compra agressiva de títulos com prazos de vencimento até 2053. O orçamento para a compra de títulos até 2014 será 30% maior que o aumento estimado pelo FMI para a dívida pública líquida do Japão, equivalente a 200% do PIB (quase quatro vezes maior que tal relação no Brasil). A expectativa é que force a redução dos juros de longo prazo, para o que o BoJ também comprará ativos de risco, incluindo cotas de fundos fechados e de investimento imobiliário. É um plano de arrepiar economista liberal. Os ativos do Banco Central do Japão devem bater em 60% do PIB no fim de 2014, comparados a 20%, no caso da evolução prevista da carteira do Federal Reserve no mesmo prazo.

Risco é de frustração

Os mercados de capitais japoneses reagiram com euforia. Para uma economia em que a falta de inflação e de cultura de consumo, com a contrapartida de poupança elevada, é um problema mais dramático que o seu oposto no Brasil, tais ações nada têm de heterodoxas. O risco é menos de caos que de frustração do objetivo: a reflação de 2% ao ano, considerada básica no plano de Abe para superar a estagnação. A queda do iene é outra meta relevante para uma economia dirigida pela exportação de manufaturados, tal como a China, mas com muito maior conteúdo tecnológico que os bens industriais chineses. E vai funcionar? O efeito sobre os preços dos títulos deve ser imediato. Já sobre uma indústria com ociosidade e margens esmagadas é menos certo. A inflação tem de vir forte, o câmbio, depreciar-se sem dó, China e EUA não retaliarem, e o resto do mundo voltar a crescer.

Consequências no Brasil

E nós com o tsunami monetário japonês? No laxismo do iene 12 anos atrás, especuladores se endividavam nessa moeda barata e depreciada e a aplicavam em reais valorizados e com juros sem igual no mundo. Chamavam-se tais operações de carry-over. O risco de que retornem pode levar o governo a adiar indefinidamente a abertura do mercado futuro, que foi limitado pela alíquota do IOF e o prazo mínimo dos negócios. É pouco provável, além disso, que os demais exportadores assistam passivamente a essas mudanças abruptas.

Com o iene desvalorizado, a indústria japonesa é competitiva no mercado de bens de consumo, como veículos, eletroeletrônicos e bens de informática (áreas em que a China vem despontando), de máquinas, (setor de excelência da Alemanha) e de equipamentos hospitalares (em que os EUA se destacam). Não há, nos níveis de produção atuais, mercado para todos, mas há aqui, com o desequilíbrio entre a oferta nacional e a demanda. Vai ficando arriscado empurrar a solução.

Fonte: Valor