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terça-feira, 2 de abril de 2013

Lições que vêm do tsunami no Japão e o novo erro do Brasil


O governo brasileiro não está sozinho quando decide oferecer incentivos em socorro da indústria automobilística. Principalmente em mercados onde a produção de veículos tem peso na economia, como o Brasil, os governos sempre acodem esse setor quando as vendas vão mal para evitar prejuízos à atividade de toda a cadeia de empresas e empregos atrelados às linhas de montagem.

O exemplo japonês é um dos que chamam a atenção. Os fabricantes de veículos também foram vítimas do tsunami que atingiu o país há exatos dois anos. Como vários fornecedores tinham fábricas na região atingida, a produção de veículos teve de ser interrompida durante semanas. Para compensar as perdas, quando a produção foi retomada o governo decidiu ajudar nas vendas. Ofereceu incentivos em forma de descontos nos carros supercompactos e nos chamados "eco friendly", que são os modelos híbridos e elétricos.

O resultado da iniciativa do governo japonês apareceu com mais força há poucos dias, no anúncio das vendas no ano fiscal de 2012. Nesse período, que terminou em março, o mercado japonês chegou a 5,2 milhões de veículos, 10% mais do que no ano anterior. Havia cinco anos que as vendas de veículos no país não chegavam a 5 milhões. A demanda foi puxada pelos incentivos, já que as vendas se concentraram principalmente na faixa beneficiada.

O governo brasileiro poderia começar a se inspirar em modelos como esse quando resolve conceder incentivos fiscais à indústria automobilística, como fez no fim de semana ao anunciar a prorrogação até o fim do ano do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido. Ao contrário do que se faz no Japão e também na Europa, por aqui continuam a ser estimuladas as venda dos automóveis tradicionais, que hoje entopem as ruas e são cada vez mais questionados em relação aos danos à mobilidade e à causa ambiental.

Ao justificar por que cancelou os dois aumentos escalonados, em 1º de abril e 1º de julho, que elevariam o IPI para as alíquotas originais, mais uma vez, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, saiu em defesa da manutenção da atividade de um setor que representa 25% da produção industrial do país.

O ministro poderia, desta vez, ter surpreendido com novidades em benefício de veículos com novas soluções. Afinal, esse tipo de produto já é conhecido das montadoras com atividade no Brasil. Essas mesmas empresas já desenvolveram carros assim para mercados de países onde os governos estimulam a mudança de conceito na mobilidade individual.

Não basta dizer que o Brasil já tem os carros flex, que funcionam com etanol e se transformam na bandeira que as montadoras sempre erguem quando vão até o governo tratar da questão. O desenvolvimento de modelos movidos com o combustível derivado da cana-de-açúcar é mérito brasileiro inquestionável. Mas o mundo avança para novas direções, que podem conviver com o uso do etanol. O carro híbrido, por exemplo, que tem dois motores - um elétrico e outro a combustão - poderia ser abastecido com o etanol.

Mas essa indústria parece ter se acostumado a protelar investimentos em inovações nos mercados que não exigem tais avanços. Alguém pode lembrar que o controle de consumo, e consequentemente de emissões dos veículos vendidos no Brasil, é um dos pilares do Inovar-Auto, o regime automotivo, que entrou em vigor em janeiro. É importante lembrar que, nesse caso, se trata de uma exigência com cronograma de longo prazo, que as montadoras cumprirão em doses homeopáticas até 2017, e que também não prevê incentivos em relação a tamanho do carro ou uso de nova energia.

Alguém pode ainda imaginar que a equipe econômica tenha a intenção de evitar o impacto de eventual reajuste nos preços dos veículos na inflação. Mas, independentemente disso, não é a primeira vez que o governo socorre essa indústria com medida idêntica.

A prorrogação do mesmo benefício, aliás, tem se repetido ininterruptamente desde meados do ano passado. Se seguisse exemplos dos países preocupados em avançar no conceito da mobilidade, o governo poderia já ter se inspirado em lições como a que veio depois do tsunami no Japão. Preferiu, no entanto, a fórmula tradicional. A única diferença é que, desta vez, o benefício veio embrulhado como um presente de Páscoa.

Fonte: Valor