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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Inspirado no Japão, Recife terá 'bairro inteligente'


Em pleno horário comercial de uma terça-feira nublada, um casamento era celebrado com tranquilidade em uma praça de Yokohama, segunda maior cidade do Japão, localizada na região metropolitana de Tóquio. Normal? Pode-se dizer que sim, mesmo em se tratando de uma área com muitos edifícios empresariais imponentes, endereço de corporações como Nissan e Fuji Xerox, entre outras. Mais do que o enlace matrimonial, chamava a atenção a calmaria das ruas e avenidas, que destoava do cenário clássico da grande metrópole nipônica, em que formigueiros humanos se deslocam com impressionante rapidez e organização.

No fim do expediente surgem, enfim, milhares de japoneses com seus celulares e fones de ouvido, a maioria rumando para as modernas estações de trem e metrô que servem a região e dispersam a multidão com assustadora eficiência.

Os que preferem um transporte mais saudável simplesmente encostam a carteira em um dispositivo e alugam uma bicicleta pelo correspondente a R$ 2,50. Um cartão eletrônico dentro da carteira funciona como bilhete único, para pagamento de diversos serviços por aproximação. Quem segue de carro elétrico e precisa abastecer antes de ir para casa tem no estacionamento do shopping center local algumas opções de recarga: mais rápida, para os apressados, e mais completa, aos que tiverem tempo para um chá verde.

De dentro do shopping pode-se avistar os vagões do metrô chegando ao subsolo. Cidade e centro de compras se confundem outra vez quando se descobre que um dos principais corredores do shopping, coberto e cercado por lojas e restaurantes, é, na verdade, uma rua, com endereço e tudo. Na estação de trem, a esteira rolante que leva os passageiros à plataforma de embarque é movida a energia solar, captada por painéis instalados no telhado.

Japoneses investiram quase US$ 34 bilhões em 30 anos para criar a Minato Mirai 21, cujo PIB é de US$ 17 bilhões

As peculiaridades não param por aí em Minato Mirai 21, distrito de Yokohama conhecido como a primeira cidade inteligente do Japão. Um sistema de calefação e ar condicionado central serve quase 90 mil pessoas. Há ainda gestão automatizada do consumo de energia elétrica, museus, casas de espetáculo e áreas verdes. É esse o modelo japonês que a Odebrecht quer replicar no projeto Cidade da Copa, bairro inteligente que está sendo erguido em Pernambuco, no entorno do estádio que receberá os jogos do mundial de futebol, em 2014.

Assim como aconteceu no projeto nipônico, a Cidade da Copa tem como objetivo principal expandir os limites de uma capital que não tem mais para onde crescer, no caso, o Recife. A proximidade com a capital pernambucana, de 19 quilômetros, aliada à grande disponibilidade de terreno plano fizeram de São Lourenço o local ideal para a construção da cidade inteligente.

No Japão, Minato Mirai 21 começou a ser erguida há 30 anos com o propósito de atrair empresas e criar empregos em Yokohama, que era praticamente uma cidade dormitório de milhões de pessoas que trabalham em Tóquio. Diferentemente do que ocorrerá em Pernambuco, onde o empreendimento será desenvolvido ao redor de um estádio, a cidade japonesa cresceu no entorno do porto de Yokohama. Uma área imensa foi aterrada e a infraestrutura começou a ser pensada do zero, visando o longo prazo. Isso possibilitou um processo sustentável de expansão e absorção de tecnologias.

O alicerce para o desenvolvimento de Minato Mirai 21 foi a construção de imensos dutos subterrâneos, por onde passa toda a rede de água, energia e telecomunicações. Os dutos foram preparados para suportar, inclusive, um eventual projeto futuro de coleta de lixo a vácuo, já implementado em cidades como Barcelona. Em Pernambuco, infraestrutura semelhante já está sendo projetada. Há três semanas, o governo estadual se reuniu com representantes das concessionárias de água e luz e telefonia para avaliar o interesse dessas empresas em aproveitar as obras viárias em andamento na área da Cidade da Copa para instalarem, em conjunto, suas redes.

O projeto da Odebrecht para a Cidade da Copa prevê 18 mil residentes em 2025 e recursos iniciais de R$ 1,6 bilhão

Minato Mirai foi concebida com a meta de atingir, em 30 anos, uma população flutuante de 190 mil pessoas, sendo 10 mil com endereço fixo no distrito. "Ainda estamos longe do nosso objetivo em número de trabalhadores, que hoje são 90 mil, mas em população residente já alcançamos", explicou Takahiro Noda, presidente da UR - abreviação em inglês para Renascimento Urbano, espécie de autarquia do governo japonês dedicada ao setor imobiliário. A UR foi criada há 40 anos para implementar a versão nipônica do Minha Casa, Minha Vida. Terminado o projeto, segue atuando no desenvolvimento imobiliário.

De acordo com o executivo, o segredo para a sustentabilidade de um projeto como esse é a atração de empresas de grande porte, as chamadas âncoras, que garantem um grande fluxo de pessoas circulando todos os dias. No município de São Lourenço da Mata, onde está sendo construída a Cidade da Copa, já foi confirmada a instalação do novo campus da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) e de um hipermercado, que ainda não teve o nome divulgado, além de um shopping center. O objetivo, porém, é atrair muito mais do que isso.

O projeto da Odebrecht calcula uma população residente de cerca 18 mil pessoas no fim do projeto, programado para 2025. Apartamentos para classe média e alta, edifícios empresariais, lojas, arena multiuso, centro de convenções, parques e áreas de lazer fazem parte do megaempreendimento, que o grupo não pretende construir sozinho. Por meio do consórcio Arena Pernambuco, a Odebrecht pretende contratar outras empreiteiras interessadas em dar vida à Cidade da Copa.

A projeção atual é de que as primeiras fases do empreendimento demandem um investimento de R$ 1,6 bilhão. De acordo com o vice-prefeito de Yokohama, Nobuya Suzuki, em 30 anos foram aplicados em Minato Mirai 21 quase US$ 34 bilhões. Favorecida pela presença de gigantes como a Nissan, a cidade inteligente tem atualmente um Produto Interno Bruto estimado em US$ 17 bilhões.

Muitos concordam que, por si só, o planejamento de longo prazo e a eficiência dos serviços já fazem uma cidade inteligente. Mas é a tecnologia presente no dia a dia de Minato Mirai 21 que lhe assegura o título. Inspirada no modelo, a Odebrecht pretende ir além do que já existe na cidade japonesa. Por esse motivo, contratou a também nipônica NEC, principal empresa de tecnologia do país asiático, para dar todo o suporte tecnológico. A expectativa é que a parceria resulte na instalação de inúmeros sistemas inteligentes na Cidade da Copa.

Um dos recursos mais esperados é o sistema de vigilância baseado em reconhecimento facial. Câmeras equipadas com sensores ultrapotentes podem identificar na multidão um torcedor indesejado ou um convidado importante. Movimentos suspeitos também podem ser detectados, aumentando as chances de a polícia se antecipar aos acontecimentos. O sistema poderá ser implantado não só na arena, mas também nas ruas e condomínios da cidade.

"A NEC desenvolve cidades inteligentes em algumas partes do mundo, como na Índia, nos Estados Unidos e na Itália. Cada uma tem uma inteligência específica, como o transporte público na Índia e a gestão de energia nos outros dois países. No Brasil será a primeira vez em que estará tudo junto, porém com um enfoque na segurança", explicou o diretor da unidade de vendas internacionais da NEC, Shinya Kukita.

Na área de energia elétrica, a ideia é implantar sistemas de gestão do consumo, por meio da utilização de baterias de lítio de grande capacidade. A empresa ou residência gera a própria energia por meio de painéis solares, armazena nas baterias e depois gerencia livremente o consumo. Pode escolher, por exemplo, a melhor hora para usar a energia própria ou a que vem da rede tradicional de distribuição. O sistema mostra na tela todo o consumo e alerta para a necessidade de economia, quando for o caso.

Sistemas inteligentes de pagamentos eletrônicos, como o dispositivo por aproximação de um cartão, também estão no rol das negociações entre NEC e Odebrecht. Os sistemas poderão servir para a venda de ingressos para jogos de futebol e shows, mas também para jornais, bebidas ou qualquer outro produto ou serviço, como já acontece no cotidiano da terra do sol nascente.

O repórter viajou a convite da Odebrecht e da NEC.

Fonte: Valor