A forte desvalorização da moeda japonesa está reverberando na economia mundial e gerando esperanças de que o Japão, a terceira maior economia do mundo, venha a acordar de sua longa hibernação. Mas ela também tem gerado temores em outros países de que possam via a enfrentar consequências indesejadas.
A queda acentuada do iene - cerca de 30% contra o dólar desde setembro de 2012 - está reacendendo o temor de que os governos de alguns países poderiam se engajar em guerras cambiais para obter vantagens comerciais.
À medida que o iene se desvaloriza, aumenta a pressão sobre as moedas de outros países, já que isso torna as exportações deles mais caras e menos atraentes no mercado global.
Os ministros da Fazenda do grupo das sete maiores economias do mundo discutiram o assunto numa reunião no Reino Unido, que se encerrou no sábado. O G-7 reafirmou seu compromisso de evitar enfraquecer suas moedas por meio de políticas monetárias. O ministro da Fazenda do Japão, Taro Aso, disse que nenhum membro do G-7 reclamou do afrouxamento monetário promovido pelo Banco do Japão ou da desvalorização do iene. Ele acrescentou que o salto do dólar acima do marca de 100 ienes também não foi discutido. Já o presidente do BC japonês, Haruhiko Kuroda, disse que o G-7 agora entende claramente que o afrouxamento tem o objetivo de acabar com 15 anos de deflação e não de manipular taxas de câmbio.
O país que tem mais a perder com a desvalorização do iene é provavelmente a Coreia do Sul, que compete em pé de igualdade com o Japão na venda de produtos semelhantes, como carros e bens de consumo eletrônicos. "Eles estão muito preocupados", disse Fred Bergsten, acadêmico do Instituto Peterson de Economia Internacional que conversou com várias autoridades sul-coreanas durante a visita da presidente do país asiático aos Estados Unidos, na semana passada.
O setor automobilístico da Coreia do Sul é "altamente vulnerável" ao enfraquecimento do iene, segundo um estudo do Deutsche Bank. O relatório afirma ainda que a área de eletrônicos do país deve ser menos afetada.
O ministro da Fazenda da Coreia do Sul, Hyun Oh-seok, apontou a desvalorização do iene como um problema para as exportações sul-coreanas, enquanto o Banco da Coreia (BC sul-coreano) afirmou que o declínio da moeda foi um dos fatores responsáveis pela sua decisão de cortar as taxas de juros, na semana passada. As ações das empresas coreanas ligadas ao setor automotivo despencaram nos últimos dias diante do receio dos investidores de que essas firmas percam competitividade.
Outros países já não são tão prejudicados pelas oscilações da moeda japonesa. A Alemanha vende muitos produtos iguais aos do Japão. Mas, excluindo o setor de carros de luxo, esses produtos não são voltados exatamente para os mesmos segmentos de mercado. "Não estamos competindo com os produtores japoneses", disse Franz-Georg von Busse, diretor-gerente da Lemken, acrescentando que suas máquinas agrícolas tendem a ser maiores e ter padrões técnicos mais elevados que as dos concorrentes japoneses.
O iene em queda talvez tenha outros efeitos. O Congresso dos EUA está estudando iniciar negociações com o Japão para criar um imenso bloco de livre comércio na Ásia e Oceania, uma iniciativa à qual as montadoras americanas se opõem. Um iene mais fraco pode dificultar a aprovação do acordo no Congresso, possivelmente atrasando um tratado que é prioritário para o governo de Barack Obama.
"Depois que a marca de 100 ienes por dólar foi atingida, está na hora de os congressistas americanos darem um basta", afirmou na quinta-feira o Conselho Americano de Política Automotiva, que representa as três grandes montadoras dos EUA: Chrysler, Ford e GM. A desvalorização do iene "resulta em menos exportações e empregos para os EUA e é mais uma razão para não incluir o Japão na Parceria Transpacífico".
O iene está perdendo força graças a iniciativas agressivas do governo do primeiro-ministro Shinzo Abe para recuperar a debilitada economia do Japão por meio do afrouxamento monetário e outras medidas de impacto. A cotação da moeda ficou abaixo dos 100 ienes por dólar na quinta-feira, cruzando pela primeira vez em quatro anos essa barreira psicológica.
Dados recentes sobre a economia do Japão indicam que o remédio está fazendo efeito. Números divulgados na semana passada mostraram que os bancos aumentaram os empréstimos, e que os lucros de empresas como Toyota Motor e Sony subiram. O superávit em conta corrente do país também foi o mais alto nos últimos 12 meses, o que sugere que o iene mais fraco poderia estar impulsionando as exportações.
Embora o crescimento da economia japonesa possa ajudar a economia mundial ao criar mais demanda, os países emergentes estão receosos de que a política de relaxamento monetário do Japão e iniciativas semelhantes nos EUA em outros países terminem injetando dinheiro demais nas economias emergentes, à medida que investidores buscam maior retorno, inflando os preços de ativos. O Brasil teme que os influxos de capital possam elevar os preços das ações e valorizar o real, tornando suas exportações mais caras. Os bancos centrais da Austrália e Nova Zelândia tomaram medidas na semana passada para enfraquecer suas moedas. Outros países na Ásia estão considerando ações similares.
Os EUA vêm sendo cautelosos quanto às iniciativas do Japão. O governo americano está apoiando políticas audaciosas para reavivar a economia japonesa porque isso ajudaria a economia americana. Por outro lado, os EUA querem garantias de que o Japão não está deliberadamente desvalorizando sua moeda por razões comerciais.
O Secretário do Tesouro americano, Jacob Lew, disse, num programa da rede CNBC na sexta-feira, que ficará "de olho" para verificar se o estímulo fornecido pelos bancos centrais do Japão e outros países tem a meta de dar impulso ao crescimento das suas economias ou desvalorizar suas moedas.
Fonte: Valor