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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Os EUA e o acordo com o Japão

A inequívoca vitória de Shinzo Abe nas eleições para a Câmara Alta do Japão no fim de semana passado é um ponto de inflexão para o comércio mundial. O premiê japonês assumiu o compromisso, no nível interno e externo, de que, se autorizado, seu país ingressará nas negociações de comércio da Parceria Transpacífica (TPP, nas iniciais em inglês) e fará as reformas estruturais necessárias para ser um participante legítimo e pleno.

Promessas de abrir os setores agrícola e de seguros japoneses, entre outros, tomaram a dianteira do que os céticos pensavam que o eleitorado japonês apoiaria. Abe foi bem além do gaiatsu, a utilização relutante da pressão externa em favor de reformas, de dirigentes japoneses anteriores. Ele segue os exemplos de Zhu Rongji, da China, e de Ernesto Zedillo, do México; Abe abraçou a integração econômica internacional para impulsionar uma reforma doméstica.

Isso é importante, e não só para o próprio Japão. Sua participação na TPP aumenta muito as perspectivas de um acordo de alta qualidade adequado ao século XXI - que enfatize o comércio tanto de serviços quanto de produtos; que tenha altos padrões em termos de proteção à propriedade intelectual e ao meio ambiente; e que supere as antiquadas tarifas, para se focar em fluxos de investimentos e em barreiras não tarifárias (como contratos de fornecimento de produtos e serviços para o governo).

E, o que é mais importante, incluir o Japão na TPP abriria oportunidades para uma série de economias menos desenvolvidas, ao mesmo tempo em que tranquilizaria as economias avançadas quanto aos padrões. Esse tipo de compensação oferece algumas das maiores vantagens diretas com o comércio. Análise de Peter Petri e Michael Plummer, professores da Brandeis e da John Hopkins, respectivamente, conclui que um acordo na TPP que inclua um Japão aberto nos setores agrícola e outros resultaria num ganho, pelo Chile, de cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano até 2025, de 5% pela Malásia e de 10% pelo Vietnã. O próprio Japão ganharia 2% do PIB ao ano e os Estados Unidos, quase 0,5%, por meio do aumento dos investimentos transnacionais e do acesso à crescente demanda por serviços.

De forma lamentável, embora previsível, a oposição à participação do Japão nas negociações da TPP partiu de grupos de interesse dos EUA, apesar dos ganhos de peso a serem auferidos por empresas e consumidores americanos. As três grandes empresas automobilísticas de Detroit e o sindicato United Auto Workers (UAW) foram as instâncias que manifestaram as maiores preocupações. Além de reclamações restritas, apesar de parcialmente válidas, sobre o acesso ao mercado automobilístico doméstico japonês e sobre as tarifas incidentes sobre veículos comerciais leves (que, de qualquer maneira, estão sendo contempladas num acordo automobilístico paralelo entre EUA e Japão), esses grupos fizeram uma grande exigência: que o governo Obama inclua alguma forma de proteção contra subvalorização ou manipulação cambial da parte do Japão. Isso granjeou algum apoio no Congresso americano.

A questão de os acordos comerciais em geral deverem ou não incluir cláusulas cambiais unilaterais na ausência de uma reforma sistêmica que preveja desequilíbrios mundiais é espinhosa. Uma vez que não há sólidas definições amplamente aceitas de subvalorização cambial, qualquer legislação atual teria de prever a manipulação em seu texto. A ironia das preocupações manifestadas, no entanto, é que nenhuma dessas definições práticas de manipulação cambial envolveria o Japão no momento, mas poderia, em vez disso, obrigar a adoção de contramedidas conflituosas contra a China e a Coreia do Sul - e, mesmo assim, deixariam de fora a economia de grande porte mais agressivamente mercantilista, dona da moeda mais desvalorizada: a Alemanha. O Japão não se empenha em intervenções unilaterais sistemáticas nos mercados cambiais para desvalorizar o iene desde 1º de abril de 2004, a não ser quando o iene saltou de valor, na esteira do tsunami e do acidente nuclear de 2011 (parou quando o G-20 reclamou de intervenção excessiva). O governo Abe se obrigou, pelo acordo de dezembro do ano passado dos países do G-20, a não fazer declarações que induzissem à depreciação de sua moeda e a não fazer qualquer outro tipo de intervenção unilateral.

Em decorrência disso, o iene se valorizou a partir de uma baixa recorde de 102 ienes por dólar, registrada em meados de maio, para 93 ienes por dólar, em meados de junho, sem qualquer reação direta. De fato, as amplas reservas cambiais do Japão, que perdem apenas para as da China, apontam para uma longa história de manipulação cambial, mas isso, efetivamente, pertence ao passado.

Apesar de algumas afirmações injustificadas, o afrouxamento quantitativo e outras formas de política monetária expansionista não são manipulação da moeda. A verdadeira manipulação envolve uma política transnacional intencional, com efeitos que inequivocamente alteram o comércio, em que qualquer crescimento ocorre em detrimento de outros. Como temos sistematicamente argumentado, meu colega Joseph Gagnon e eu, o afrouxamento quantitativo é política interna com metas internas, e tem consequências líquidas indeterminadas sobre outras economias. Para economias grandes e relativamente fechadas como as do Japão ou dos EUA, os parceiros comerciais talvez ganhem com o aumento das exportações a esses países mais do que perdem com qualquer queda de competitividade causada pela depreciação cambial.

Algumas suspeitas de empresas americanas relativas à manipulação cambial japonesa se baseiam em episódios cada vez mais distantes e isolados. Em todo caso, os esforços unilaterais para enfraquecer o iene são inviabilizados com sucesso por um bem-monitorado acordo do G-20. Os que querem ver esses princípios serem aplicados a manipuladores cambiais mais recentes e agressivos que o Japão na Ásia e outros continentes precisam ter estômago para pôr em perigo outras metas comerciais e de política externa. Não há, no entanto, justificativa para pôr em risco as negociações da TPP e a mundialmente benéfica plena participação do Japão nelas, por medo da manipulação do iene - menos ainda por medo do afrouxamento quantitativo. 

Fonte: Valor