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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Japão pode relaxar política econômica para crescer


Nos últimos anos, sempre que o presidente do Banco do Japão, Masaaki Shirakawa, se reunia com outros líderes de bancos centrais do mundo todo, muitas vezes fazia advertências, metodicamente preparadas, sobre os limites da política de dinheiro fácil que eles vinham seguindo.

Shirakawa via o Banco do Japão como um pioneiro. Já havia experimentado seguir programas polêmicos de compra de títulos de dívida e juros de curto prazo a quase zero, muito antes que essas medidas fossem tentadas pelo Federal Reserve (o banco central americano), o Banco Central Europeu ou o Banco da Inglaterra, na esteira da crise financeira de 2008. Sua conclusão foi que esses programas não funcionavam muito bem.

Alguns banqueiros centrais a quem ele alertou, assim como muitos de seus críticos no Japão, concluíram que Shirakawa não estava se esforçando o bastante, e que, em consequência, a economia japonesa estava sofrendo com crescimento lento e crises de deflação.

Agora, o Banco do Japão está prestes a entrar na festa mundial do dinheiro fácil. Com a eleição do primeiro-ministro Shinzo Abe, que vai nomear em breve os sucessores de Shirakawa e de seus dois principais assessores, o Banco do Japão foi empurrado pela classe política que detém o poder no Japão para um novo período de ativismo monetário.

"Quem mais não consegue atingir, há 15 anos, seus próprios objetivos para a inflação?", diz Anil Kashyap, economista da Faculdade de Administração Booth, da Universidade de Chicago, que escreve sobre o Japão. "Não é por acaso que eles estão perdendo sua independência."

O governo japonês teria, segundo duas autoridades, escolhido Haruhiko Kuroda, que hoje dirige o Banco Asiático de Desenvolvimento, como o próximo presidente do Banco do Japão. A notícia não foi confirmada pelo governo até o fechamento desta edição, mas se Kuroda realmente for o escolhido, fica claro que o país rumará para uma nova estratégia econômica. Ele tem defendido publicamente mais medidas de relaxamento monetário pelo Banco do Japão.

Uma mudança na política monetária pode acarretar grandes compras de títulos de dívida de longo prazo do governo japonês, ou mesmo títulos de governos estrangeiros. Nesse processo, o Banco do Japão vai injetar ienes na economia mundial, aumentando a oferta e assim diminuindo a cotação da moeda, ou seja, a taxa de câmbio.

A mudança, amplamente antecipada pelos mercados financeiros, terá um efeito cascata fora do Japão, que continua sendo a terceira maior economia mundial, apesar de todos os seus infortúnios.

Essas injeções de dinheiro por parte do Japão vão pressionar ainda mais outras economias, como Brasil, China e Coreia do Sul, que deverão optar entre permitir a valorização de suas moedas, com risco de prejudicar suas exportações, ou injetar mais dinheiro nas suas economias e, assim, arriscar-se a gerar surtos de inflação. Isso poderia prejudicar as relações com outras economias desenvolvidas, em especial europeias, que têm receio de uma guerra cambial global. A situação poderia atiçar fogo nos mercados financeiros, à medida que os investidores mundiais aproveitam os empréstimos baratos em ienes, convertendo-os para outras moedas e usando os fundos para alimentar um boom de investimento em outros países, além das fronteiras do Japão.

Apesar dos riscos, muitos economistas dizem que a mudança no Japão já está atrasada. Sobretudo, dizem os defensores de Abe, se o Japão passar a seguir a tendência mundial do dinheiro fácil, isso dará um impulso muito necessário ao crescimento econômico. "Esta não é uma guerra cambial - é uma guerra de crescimento", escreveu David Zervos, estrategista de renda fixa da corretora Jefferies & Co., em nota recente.

Os programas de compra de títulos de dívida pelos bancos centrais têm a meta de abaixar o juro de longo prazo, a fim de apoiar os gastos, os investimentos e o crescimento econômico. O Japão já tentou isso, mas não de forma muito agressiva - e os colegas de Shirakawa em outros países dizem que ele diluiu o potencial de impacto da medida ao sugerir que a política monetária, nas circunstâncias do Japão, não era uma ferramenta muito poderosa.

Nos últimos cinco anos, os títulos de dívida e empréstimos em posse do Banco do Japão aumentaram 35%. O Banco Central Europeu, o Fed e o Banco da Inglaterra mais que duplicaram, triplicaram e quintuplicaram seus ativos, respectivamente, nos últimos cinco anos.

Além disso, a tendência do Banco do Japão vem sendo de comprar títulos de prazo mais curto do que os outros bancos centrais, sempre que entrou em um programa de compra de dívida. O prazo médio de vencimento dos títulos do Tesouro americano que o Fed está comprando em seu programa de aquisições é de nove anos. O Japão raramente vai além de três anos. Segundo os economistas, a compra de papéis com vencimento de prazo mais longo tem um efeito maior sobre os mercados.

O Fed e o BCE conseguiram mudar o rumo dos mercados nos últimos meses apenas com palavras duras e promessas de ação futura. Mas Eric Stein, gestor de investimentos globais da corretora Eaton Vance, diz que palavras não bastarão para o banco central japonês, depois de tantos anos sem conseguir cumprir suas metas.

"Eles vão ser testados pelo mercado e terão de fazer mais", diz Stein. No mínimo, isso significa uma exigência por parte dos investidores de que o Banco do Japão aumente suas compras de títulos de dívida de longo prazo do governo japonês, para provar que está decidido a alcançar uma nova meta de inflação de 2%. O banco poderia aumentar suas compras nas bolsas de valores ou em fundos negociados em bolsa (ETFs), duas opções que já explorou.

O grande teste do Banco do Japão pode acontecer nos mercados de títulos estrangeiros. Abe julga que o banco central deve injetar ienes nas compras de títulos de dívida estrangeira para desvalorizar a moeda japonesa e assim aumentar a competitividade das exportações do país.

Diversos líderes mundiais já rejeitaram essa ideia. Uma guerra cambial é um jogo de soma zero, expressão da teoria econômica que significa que para um ganhar, o outro precisa perder na mesma proporção. As exportações que um país ganha estão sendo tomadas de outro país.

Se o novo presidente do banco central japonês decidir provar seu valor para os mercados seguindo por este caminho, diz Hyun Song Shin, professor de Princeton e ex-assessor do governo coreano, "ele vai colocar à prova todas as regras do jogo dos bancos centrais, não expressas, mas comumente subentendidas".

Fonte: Valor