Uma das maiores potências exportadoras do mundo está perdendo força.
Durante décadas, o Japão usou uma combinação de poder industrial e uma política de comércio exterior voltada à exportação para inundar mercados ao redor do mundo com seus carros, eletrônicos e semicondutores.
Isso acabou.
O governo japonês anunciou na quarta-feira que o país terminou 2011 com um déficit de 2,5 trilhões de ienes ( US$ 32 bilhões), seu primeiro déficit comercial anual desde 1980. Se o iene continuar forte e a demanda mundial fraca, o Japão pode ter déficits pelos próximos anos, alertam economistas.
A impressionante mudança é, em parte, resultado de fatores temporários como os desastrosos terremoto e tsunami de março passado, que destruíram fábricas, aleijaram cadeias de suprimento e paralisaram muitos dos reatores nucleares do país. Mas o sismo parece ter acelerado tendências — como uma queda na competitividade das empresas — que há anos vinham ganhando corpo enquanto a superpotência exportadora se transformava num país de aposentados.
Mais e mais empresas japonesas estão transferindo produção para fora do país. "Este é um momento crucial para nós", diz Masahiko Mori, presidente da fabricante de máquinas-ferramentas Mori Seiki Co., que foi fundada em 1948 e este ano está abrindo sua primeira fábrica fora do Japão — nos Estados Unidos. Mori diz que, dentro de cinco anos, ele quer fazer cerca de 40% das máquinas da Mori Seiki fora do Japão.
Se antigamente o Japão forçava o resto do mundo a marchar no seu ritmo, agora a país está sendo varrido por grandes forças globais fora de seu controle. O forte crescimento de economias como China e Brasil empurrou para cima o custo que o Japão paga por petróleo, gás e terras-raras que importa para fabricar máquinas fotográficas, celulares ou carros. Mori diz que os preços de metais terras-raras dobraram o custo de ímãs usados nos motores que sua empresa necessita.
As doenças fabris do Japão estão se refletindo na balança comercial. Para os primeiros 11 meses de 2011, o país divulgou um déficit comercial de 2,3 trilhões de ienes (US$ 30 bilhões), depois de ter tido superávit de 6,6 trilhões de ienes para todo o ano de 2010. Analistas dizem que é quase impossível para o país divulgar um superávit grande o bastante no relatório desta quarta, referente a dezembro, para superar o déficit do resto do ano.
"Eu não nego que existe uma tendência que pode levar a um déficit comercial de longo prazo, se não fizermos nada", disse o ministro da Economia e do Comércio Exterior, Yukio Edano, ao The Wall Street Journal na semana passada.
Hiromichi Shirakawa, um ex-diretor do banco central, o Banco do Japão, que hoje chefia análise econômica no Credit Suisse em Tóquio, prevê que o Japão vá ter déficit comercial este ano, assim como em 2011. Ele diz que não há chance de voltar a superávits enquanto o iene permanecer perto de seus recordes de alta em relação ao dólar, os combustíveis continuarem caros e a demanda mundial relativamente fraca.
Salientando as dificuldades do país, o Banco do Japão anunciou ontem que espera que a economia se contraia em 0,4% neste ano fiscal, revisando uma projeção anterior de um ganho de 0,3%. O banco central afirmou que o enfraquecimento de outras economias e a valorização do iene continuam a impedir o crescimento do país.
É uma situação tenebrosa para o Japão. Se os déficits comerciais continuarem, o país pode passar de um constante provedor de capital para um devedor líquido. O Japão pode acabar tendo de financiar uma dívida que já é maior que a da Itália como porcentagem da economia. Embora o iene esteja tão alto agora, ele vai acabar despencando se o Japão continuar com déficits. Um iene fraco ajudaria os industriais japoneses, mas causaria estrago numa economia cada vez mais dependente de importações.
Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o Japão praticamente inventou o crescimento liderado por exportações, gerando uma impressionante criação de riqueza propagandeada pelos líderes nacionais como o "milagre japonês". Um grande alvo das exportações foi a então pujante economia americana — e os carros japoneses fizeram tanto sucesso nos EUA, que em 1981 o governo começou a pressionar as montadoras do Japão a limitar "voluntariamente" suas exportações. Depois, os EUA acusaram o Japão de despejar semicondutores baratos nos mercados mundiais.
Como parte de um esforço para enfrentar a potência exportadora japonesa, os EUA, as maiores economias da Europa e o Japão assinaram o Acordo de Plaza em 1985 — batizado com o nome do hotel nova-iorquino onde foi assinado — para reforçar o iene ante as maiores moedas do mundo, o que aumentava o custo de produtos feitos no Japão no mercado internacional. O acordo teve um forte impacto sobre o câmbio: o iene subiu de 239 por dólar em 1985 para 128 em 1988.
Mas a mudança não acabou tendo o efeito desejado de encolher os enormes superávits comerciais do Japão, em parte porque as autoridades japonesas tentaram mitigar o impacto econômico inundando a economia com dinheiro barato. A consequente bolha de ativos criou grandes distorções na economia e nos mercados financeiros do Japão, e seu estouro deu início a duas décadas de estagnação. O trauma do Acordo de Plaza tem sido mencionado por autoridades chinesas como um grande motivo pelo qual hesitam em responder à pressão similar dos EUA hoje para apreciar o yuan.
Manufaturas japonesas em anos recentes começaram a perder terreno para rivais de países como a China ou a Coreia do Sul, cujos produtos geralmente são tão bons quanto os japoneses e cujos custos são muito menores. Uma pesquisa de 2010 com executivos mundiais de manufatura, conduzida pela Deloitte Touche Tohmatsu e pelo Conselho de Competitividade dos EUA, projetou que o Japão continuaria a ficar para trás de países em desenvolvimento e também dos EUA em competitividade de manufatura pelos próximos anos, conforme a população envelhece e o custo de fabricar produtos no país cresce.
Intensa concorrência no exterior tem derrubado os preços que pesos pesados da manufatura japonesa, como Toyota Motor Co. ou Sony Corp., podem obter por seus produtos no exterior, enquanto o iene forte tem tornado mais difícil extrair lucros.
O desastre nuclear na usina Fukushima Daiichi, que na prática paralisou o uso de energia nuclear no Japão por enquanto, também está levando a um aumento nos preços de energia.
A operadora da usina, a Tokyo Electric Power Co., anunciou semana passada uma alta de 17% em média, a primeira desde 1980, em suas tarifas básicas de eletricidade para empresas, citando uma maior dependência de petróleo em face da resistência do público quanto a religar os reatores.
Outras empresas japonesas de serviços públicos também estão tendo dificuldades para reiniciar reatores. E o governo está alertando que todas as usinas nucleares do país — que respondiam por cerca de 30% da energia consumida pelo Japão um ano atrás — poderiam permanecer fechadas durante o verão, quando a demanda por eletricidade chega ao pico. Isso pode implicar racionamento ou até apagões programados. As empresas se preparam para o pior. Mori, por exemplo, está lançando medidas de economia de energia em suas fábricas.
Alguns dizem que os desastres só aceleraram uma mudança muito mais ampla na economia do Japão. "Isso é parte do processo de se tornar uma economia madura", diz Hiroyuki Ishige, que foi uma autoridade comercial do país nos anos 80 e agora chefia a Organização de Comércio Exterior do Japão. A entidade surgiu em 1951 com o objetivo de promover as exportações japonesas, e desde então passou a encorajar o investimento no Japão, assim como a dar consultoria para pequenas empresas que querem entrar no mercado internacional, diz ele.
O Japão ainda é um país rico, com uma gama de indústrias que têm grandes fatias no mercado mundial de vários produtos, de automóveis a endoscópios. Alguns dos fatores que têm derrubado as exportações do país são temporários, como a queda na demanda internacional por produtos causada pela fraqueza econômica na Europa e a alta do iene diante do dólar e do euro. Um enfraquecimento da moeda japonesa poderia mudar a equação em favor dos industriais japoneses.
E o Japão ainda tem 251 trilhões de ienes a mais em reservas estrangeiras e investimentos — como títulos de dívida do Tesouro dos EUA — do que outros países detêm em papéis japoneses, segundo o Ministério da Fazenda. Isso é um superávit de capital maior do que o de qualquer outro país.
"É verdade que a tendência é de déficits comerciais, mas enquanto o Japão continuar tendo superávit em conta corrente, isso não importa", diz Eisuke Sakakibara, uma ex-autoridade econômica. A conta corrente reflete a diferença entre o que um país poupa e o que ele investe. Ela inclui a importação de bens e serviços, mais o retorno sobre investimentos no exterior, em comparação com as exportações. Quando a conta corrente fica negativa, isso quer dizer que os investimentos domésticos estão sendo financiados com dinheiro estrangeiro.
O enfraquecimento da balança comercial do Japão ocorre quando uma população que está envelhecendo e décadas de crescimento quase zero corroem a poupança que os japoneses amealharam quando a economia estava em alta. Isso, por sua vez, alimenta temores de que o Japão tenha, cedo ou tarde, dificuldades para financiar seus quase 1 trilhão de ienes em dívida pública.
A Mori Seiki, de Mori, é um exemplo das forças que estão atuando sobre o Japão. A empresa faz máquinas usadas na fabricação de carros, aviões e outros produtos. Ela faz 98% de suas máquinas no Japão, usando peças fornecidas por empresas japonesas.
Isso foi um problema ano passado, depois do terremoto e tsunami que tornaram certos componentes difíceis de encontrar.
Além disso, a Mori Seiki agora ganha cerca de 65% de seu faturamento de US$ 1,5 bilhão fora do país, e ela tem sofrido com a valorização do iene.
Mori diz que, quando US$ 1 compra 80 ienes ou menos — hoje compra cerca de 77 —, fica mais lucrativo fabricar nos EUA equipamentos que serão vendidos nos EUA. No ano passado, ele decidiu abrir uma fábrica na Califórnia, onde ele espera produzir cerca de 20% dos produtos da Mori Seiki, além de outros 20% na Europa.
Fonte: Wall Street Journal