As duas semanas mais recentes foram tumultuadas para os governantes japoneses. Primeiro, o Banco Central Japonês ampliou dramaticamente seu programa de afrouxamento quantitativo em resposta aos fracos números do crescimento e da inflação. Então, novos dados revelaram que a economia japonesa encolheu a um ritmo anual de 1,6% no terceiro trimestre, quando a expectativa era de crescimento. Tal declínio foi a segunda contração trimestral seguida, o que coloca o Japão em recessão técnica.
O primeiro-ministro Shinzo Abe anunciou a convocação de eleições antecipadas com o objetivo de consolidar o mandato para adiar uma alta iminente no imposto sobre o consumo no país. O aumento no imposto sobre o consumo é parte de uma estratégia projetada para controlar a dívida do governo japonês, que agora já ultrapassou a casa dos 240% do PIB, sendo que o governo continua a acumular déficit anuais de aproximadamente 8% do PIB. Mas a primeira parte da estratégia de redução do déficit, uma alta inicial no imposto sobre o consumo que ocorreu este ano, parece ter contribuído significativamente para a desaceleração econômica japonesa.
O drama do Japão nos traz algumas perguntas. Primeiro, o que está havendo com a economia do país, que é jogada na recessão com um aumento no imposto sobre o consumo? Pode parecer estranho que um aumento na taxa de consumo de 5% para 8% possa tirar do prumo aquela que até o segundo trimestre do ano era uma recuperação de aparência relativamente robusta. Mas não sei exatamente até que ponto deveríamos estar surpresos. Levando-se em consideração um enfraquecimento geral do crescimento em todo o mundo, poucas economias podem contar com a demanda externa para fazer avançar suas próprias recuperações (como fez o Japão em meados da década de 2000). As economias que apresentam crescimento robusto hoje - Estados Unidos e Grã-Bretanha - estão claramente evitando depositar suas fichas num aumento das exportações líquidas. Em vez disso, cabe à demanda interna suportar o fardo. No Japão, isso significa a mobilização de sua significativa poupança privada no rumo do consumo e do investimento.
E isso, por sua vez, significa vencer a deflação. Uma inflação mais alta significaria que os lares japoneses passariam a esperar uma lenta erosão de suas poupanças, a não ser que suas pilhas de ienes sejam bem empregadas. Em contraste, a deflação permite que os lares japoneses obtenham um retorno positivo sobre suas poupanças mesmo quando os juros estão encalhados perto do zero.
Mas, para reestabelecer uma inflação consistentemente positiva, é preciso jogar o jogo da confiança. Se os lares acreditarem que vão gastar, as empresas vão contratar e os preços vão aumentar. Se os lares duvidarem do compromisso do governo com a geração de uma inflação maior, o resultado será a derrota. A alta inicial na taxa sobre o consumo certamente teve um efeito poderoso nas escolhas de consumo; o PIB real cresceu ao ritmo anual de 6,7% no primeiro trimestre conforme as pessoas anteciparam as compras para evitar a alta no imposto, e então teve queda de 7,3% no segundo trimestre. Mas a persistência do efeito negativo provavelmente reflete uma perda de confiança na possibilidade de vencer a batalha contra a deflação. A alta no imposto sobre o consumo é claramente contraditória, e não é o tipo de medida que um governo adota quando está completamente comprometido com o aumento da inflação e dos juros.
Segundo, será que deveríamos estar preocupados com o fato de o Japão não estar lidando com seus problemas fiscais? Essa é a pergunta realmente importante.
Uma resposta é que a determinação de aumentar os impostos e/ou cortar gastos não está exatamente no núcleo da questão. Em vez disso, o grande problema tem sido a incapacidade de administrar o crescimento na produção nominal.É muito difícil reduzir a proporção entre dívida e PIB numa economia na qual o denominador se recusa a crescer.
Outra resposta é que pode chegar um momento de se preocupar com a dívida, mas ainda não estamos nele. Os mecanismos normais por meio dos quais os mercados preocupados com a dívida registram seu descontentamento (e inibem o crescimento) simplesmente não são um problema no Japão. Os juros raramente foram mais baixos. O problema está na inflação, baixa demais. Como disse Paul Krugman, uma perda da confiança do mercado na situação fiscal japonesa não seria necessariamente algo negativo; se o fluxo de saída de capitais levar a uma desvalorização do iene e a um aumento na inflação, isso seria um resultado que o Banco Central Japonês receberia positivamente. E um grave pânico de endividamento não precisa ser uma preocupação desde que os mercados tenham fé que o Japão poderia resolver seus problemas fiscais caso isso se tornasse imprescindível. Levando-se em consideração a prontidão com a qual o Japão levou a cabo a alta inicial nos impostos, apesar dos juros baixíssimos, parece razoável concluir que uma alta significativa no custo pago pelo governo sobre os empréstimos levaria a uma maior consolidação fiscal. Assim sendo, por enquanto as preocupações fiscais são coadjuvantes das políticas de estímulo ao crescimento.
E há ainda outra resposta segundo a qual o Japão já foi uma folha bastante suja, mas se torna cada vez mais limpo dia a dia. Entre os grandes emissores de obrigações as economias da zona do euro estão galgando posições rapidamente. Essas economias da zona do euro não têm seu próprio banco central, e o banco central do qual elas podem dispôr está muito menos disposto a comprar títulos do governo do que o Banco Central Japonês. Se obrigações líquidas de países ricos são um recurso raro e precioso, então os problemas na zona do euro são boa notícia para o Japão. E mais um sinal de que o país deveria se preocupar menos com seus rombos fiscais.
Mas é preciso ser claro quanto à natureza do problema do endividamento japonês. Sua proporção entre dívida bruta do governo e PIB é superior a 240%, o que parece péssimo. Mas, se excluirmos o valor da dívida que cabe a diferentes ramos do governo japonês, essa proporção cai para menos de 140%. Só o Banco Central Japonês é dono de cerca de 20% das obrigações do governo japonês em aberto, a cada ano comprando mais papéis do que o governo consegue emitir, por mais gastão que seja. E, apesar de tudo isso, os juros e a inflação estão tão baixos quanto o possível. O Japão está avançando rapidamente rumo a um mundo no qual é possível simplesmente deixar de lado as obrigações com as quais todos disseram que seria necessário arcar. Trata-se da monetização da dívida, o verdadeiro arauto da hiperinflação. Mas a hiperinflação deve ser a última das preocupações japonesas.
De certa maneira é irônico: ao desferir um golpe contra a economia e reforçar pressões deflacionárias, a alta no imposto sobre o consumo, que deveria ser um passo para lidar com a dívida acumulada pelo Japão, pode ter aberto o caminho para a fúria aquisitiva do Banco Central japonês, e para a monetização. É claro que isso não representaria um almoço grátis. Se acreditarmos que o Japão teria funcionado como uma economia mais ou menos normal nas duas décadas passadas se não estivesse encalhado no limiar inferior próximo a zero, então sua experiência na armadilha deflacionária custou trilhões de dólares à economia em termos de produção, e custou aos trabalhadores japoneses incontáveis empregos e aumentos salariais.
Mas, a esta altura, o debate em relação ao que o Japão deve fazer em relação à sua dívida é um pouco absurdo. Não há retidão fiscal capaz de permitir que o Japão escape do seu dilema no longo prazo. E, enquanto o país estiver metido nesse longo atoleiro, a dívida do governo seguirá aumentando, até afetar o balanço patrimonial do Banco Central Japonês. É difícil ver como podem ser úteis os aumentos nos impostos que prejudicam os esforços para derrotar a deflação. É preciso deixar claro que isso está abrindo caminho para algo ainda menos conhecido e mais bizarro do que as atuais dificuldades japonesas: a monetização de um volume imenso de dívidas do governo sem nenhuma consequência inflacionária.
© 2014 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados.As duas semanas mais recentes foram tumultuadas para os governantes japoneses. Primeiro, o Banco Central Japonês ampliou dramaticamente seu programa de afrouxamento quantitativo em resposta aos fracos números do crescimento e da inflação. Então, novos dados revelaram que a economia japonesa encolheu a um ritmo anual de 1,6% no terceiro trimestre, quando a expectativa era de crescimento. Tal declínio foi a segunda contração trimestral seguida, o que coloca o Japão em recessão técnica. O primeiro-ministro Shinzo Abe anunciou a convocação de eleições antecipadas com o objetivo de consolidar o mandato para adiar uma alta iminente no imposto sobre o consumo no país. O aumento no imposto sobre o consumo é parte de uma estratégia projetada para controlar a dívida do governo japonês, que agora já ultrapassou a casa dos 240% do PIB, sendo que o governo continua a acumular déficit anuais de aproximadamente 8% do PIB. Mas a primeira parte da estratégia de redução do déficit, uma alta inicial no imposto sobre o consumo que ocorreu este ano, parece ter contribuído significativamente para a desaceleração econômica japonesa.
O drama do Japão nos traz algumas perguntas. Primeiro, o que está havendo com a economia do país, que é jogada na recessão com um aumento no imposto sobre o consumo? Pode parecer estranho que um aumento na taxa de consumo de 5% para 8% possa tirar do prumo aquela que até o segundo trimestre do ano era uma recuperação de aparência relativamente robusta. Mas não sei exatamente até que ponto deveríamos estar surpresos. Levando-se em consideração um enfraquecimento geral do crescimento em todo o mundo, poucas economias podem contar com a demanda externa para fazer avançar suas próprias recuperações (como fez o Japão em meados da década de 2000). As economias que apresentam crescimento robusto hoje - Estados Unidos e Grã-Bretanha - estão claramente evitando depositar suas fichas num aumento das exportações líquidas. Em vez disso, cabe à demanda interna suportar o fardo. No Japão, isso significa a mobilização de sua significativa poupança privada no rumo do consumo e do investimento.
E isso, por sua vez, significa vencer a deflação. Uma inflação mais alta significaria que os lares japoneses passariam a esperar uma lenta erosão de suas poupanças, a não ser que suas pilhas de ienes sejam bem empregadas. Em contraste, a deflação permite que os lares japoneses obtenham um retorno positivo sobre suas poupanças mesmo quando os juros estão encalhados perto do zero.
Mas, para reestabelecer uma inflação consistentemente positiva, é preciso jogar o jogo da confiança. Se os lares acreditarem que vão gastar, as empresas vão contratar e os preços vão aumentar. Se os lares duvidarem do compromisso do governo com a geração de uma inflação maior, o resultado será a derrota. A alta inicial na taxa sobre o consumo certamente teve um efeito poderoso nas escolhas de consumo; o PIB real cresceu ao ritmo anual de 6,7% no primeiro trimestre conforme as pessoas anteciparam as compras para evitar a alta no imposto, e então teve queda de 7,3% no segundo trimestre. Mas a persistência do efeito negativo provavelmente reflete uma perda de confiança na possibilidade de vencer a batalha contra a deflação. A alta no imposto sobre o consumo é claramente contraditória, e não é o tipo de medida que um governo adota quando está completamente comprometido com o aumento da inflação e dos juros.
Segundo, será que deveríamos estar preocupados com o fato de o Japão não estar lidando com seus problemas fiscais? Essa é a pergunta realmente importante.
Uma resposta é que a determinação de aumentar os impostos e/ou cortar gastos não está exatamente no núcleo da questão. Em vez disso, o grande problema tem sido a incapacidade de administrar o crescimento na produção nominal.É muito difícil reduzir a proporção entre dívida e PIB numa economia na qual o denominador se recusa a crescer.
Outra resposta é que pode chegar um momento de se preocupar com a dívida, mas ainda não estamos nele. Os mecanismos normais por meio dos quais os mercados preocupados com a dívida registram seu descontentamento (e inibem o crescimento) simplesmente não são um problema no Japão. Os juros raramente foram mais baixos. O problema está na inflação, baixa demais. Como disse Paul Krugman, uma perda da confiança do mercado na situação fiscal japonesa não seria necessariamente algo negativo; se o fluxo de saída de capitais levar a uma desvalorização do iene e a um aumento na inflação, isso seria um resultado que o Banco Central Japonês receberia positivamente. E um grave pânico de endividamento não precisa ser uma preocupação desde que os mercados tenham fé que o Japão poderia resolver seus problemas fiscais caso isso se tornasse imprescindível. Levando-se em consideração a prontidão com a qual o Japão levou a cabo a alta inicial nos impostos, apesar dos juros baixíssimos, parece razoável concluir que uma alta significativa no custo pago pelo governo sobre os empréstimos levaria a uma maior consolidação fiscal. Assim sendo, por enquanto as preocupações fiscais são coadjuvantes das políticas de estímulo ao crescimento.
E há ainda outra resposta segundo a qual o Japão já foi uma folha bastante suja, mas se torna cada vez mais limpo dia a dia. Entre os grandes emissores de obrigações as economias da zona do euro estão galgando posições rapidamente. Essas economias da zona do euro não têm seu próprio banco central, e o banco central do qual elas podem dispôr está muito menos disposto a comprar títulos do governo do que o Banco Central Japonês. Se obrigações líquidas de países ricos são um recurso raro e precioso, então os problemas na zona do euro são boa notícia para o Japão. E mais um sinal de que o país deveria se preocupar menos com seus rombos fiscais.
Mas é preciso ser claro quanto à natureza do problema do endividamento japonês. Sua proporção entre dívida bruta do governo e PIB é superior a 240%, o que parece péssimo. Mas, se excluirmos o valor da dívida que cabe a diferentes ramos do governo japonês, essa proporção cai para menos de 140%. Só o Banco Central Japonês é dono de cerca de 20% das obrigações do governo japonês em aberto, a cada ano comprando mais papéis do que o governo consegue emitir, por mais gastão que seja. E, apesar de tudo isso, os juros e a inflação estão tão baixos quanto o possível. O Japão está avançando rapidamente rumo a um mundo no qual é possível simplesmente deixar de lado as obrigações com as quais todos disseram que seria necessário arcar. Trata-se da monetização da dívida, o verdadeiro arauto da hiperinflação. Mas a hiperinflação deve ser a última das preocupações japonesas.
De certa maneira é irônico: ao desferir um golpe contra a economia e reforçar pressões deflacionárias, a alta no imposto sobre o consumo, que deveria ser um passo para lidar com a dívida acumulada pelo Japão, pode ter aberto o caminho para a fúria aquisitiva do Banco Central japonês, e para a monetização. É claro que isso não representaria um almoço grátis. Se acreditarmos que o Japão teria funcionado como uma economia mais ou menos normal nas duas décadas passadas se não estivesse encalhado no limiar inferior próximo a zero, então sua experiência na armadilha deflacionária custou trilhões de dólares à economia em termos de produção, e custou aos trabalhadores japoneses incontáveis empregos e aumentos salariais.
Mas, a esta altura, o debate em relação ao que o Japão deve fazer em relação à sua dívida é um pouco absurdo. Não há retidão fiscal capaz de permitir que o Japão escape do seu dilema no longo prazo. E, enquanto o país estiver metido nesse longo atoleiro, a dívida do governo seguirá aumentando, até afetar o balanço patrimonial do Banco Central Japonês. É difícil ver como podem ser úteis os aumentos nos impostos que prejudicam os esforços para derrotar a deflação. É preciso deixar claro que isso está abrindo caminho para algo ainda menos conhecido e mais bizarro do que as atuais dificuldades japonesas: a monetização de um volume imenso de dívidas do governo sem nenhuma consequência inflacionária.
Fonte: The Economist