Mesmo que não haja interrupção definitiva, a execução do programa nuclear brasileiro, já aprovado, sofrerá atrasos, por causa do acidente nuclear de Fukushima, no Japão, provocado pelo terremoto, seguido de tsunami, em 11 de março. O acidente também abriu intenso debate sobre a viabilidade da aprovação de novos projetos no Brasil, problema não trivial para o país, que já enfrenta polêmicas sobre o impacto ambiental do aproveitamento do que resta do seu potencial mais fecundo, o hidrelétrico.
"É claro que o tema (do futuro da energia nuclear) está colocado", admite Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o braço oficial responsável pelo planejamento energético do país. Debate à parte, ele considera que, "olhando as tecnologias que temos hoje, a nuclear ainda é a melhor opção para o futuro".
A posição do engenheiro nuclear Ildo Sauer, ex-diretor de gás e energia da Petrobras e professor da Universidade Federal de São Paulo (USP), é radicalmente oposta. Ele propõe "cancelar" todo o programa energético nuclear do país, inclusive a já iniciada construção da usina Angra 3, com 1.350 megawatts (Mw) de potência.
Além da usina nuclear de Angra 3, estão aprovadas, para construção até 2030 - uma a cada cinco anos - quatro usinas de 1.000 Mw cada, em localizações ainda indefinidas. O Brasil possui atualmente em operação as usinas Angra 1 (600 Mw) e Angra 2 (1.350 Mw).
Doutor em engenharia nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Sauer propõe que o país fique com a energia nuclear apenas para fins de pesquisa, dinamizando o programa da Marinha do Brasil, por exemplo, e para uso médico. O suprimento de energia elétrica, segundo ele, fica mais seguro e barato com uma combinação de fontes, destacando a hidrelétrica, a eólica, a energia de biomassa, térmica convencional e até a célula fotovoltaica solar.
Sauer argumenta que as próximas cinco usinas nucleares do Brasil (uma já em construção e quatro programadas), vão usar tecnologias já existentes, não contribuindo para ampliar o conhecimento no setor, um dos argumentos para fazê-las. "Construir reatores de prateleira não agrega conhecimento, o que agrega é planejar e projetar reatores de pesquisa", argumenta.
Segundo Sauer, as usinas nucleares projetadas, com potência total de 5.350 Mw, custarão cerca de R$ 50 bilhões e podem ser substituídas por outras fontes ao custo máximo de R$ 25 bilhões. Já o programa de pesquisa, que seria desenvolvido para que o país não fique à margem do conhecimento nuclear, poderia ser tocado com um custo adicional de, no máximo, R$ 2 bilhões. Para Sauer, a decisão brasileira de voltar a fazer usinas nucleares (Angra 1 foi inaugurada em 1985 e Angra 2 em 2001) atende mais a interesses de lobbies internacionais do que a argumentos técnicos.
O presidente da EPE, outro técnico respeitado na área energética, também considera que o Brasil tem, para os próximos anos, muitas alternativas à energia nuclear. É possível, afirma ele, concluir com tranquilidade Angra 3, já em construção, e esperar os resultados dos debates que serão travados a partir de agora, para só então iniciar as outras quatro usinas planejadas, apesar de acreditar que elas deverão estar prontas em 2030.
O Brasil tem hoje contratados, em 18 leilões realizados de 2005 a 2010, 59.299 Mw de energia elétrica, sendo 70% (41.664 Mw) de fontes renováveis (hídrica, eólica e de bagaço de cana), a um preço médio de R$ 125,90 por megawatt/hora (Mwh). Do total contratado, 43.922 são para entrega de 2011 a 2017, sem contar o atraso das térmicas do grupo Bertin, que deveriam ter entrado no sistema no ano passado (cerca de 1.000 Mw).
O consultor Mário Veiga, presidente da PSR Consultoria, ressalta o portfólio diversificado de opções de expansão que o Brasil possui, muitas delas competitivas hoje ou no futuro. "O potencial eólico, por exemplo, é bastante grande, de cerca de 300 mil MW de potência instalada, mais ou menos 100 mil MW médios de energia firme (supondo um fator de capacidade de 33%), mais do que o potencial hidrelétrico restante atual.
O potencial oficial, 170 mil MW, está subestimado,admite Tolmasquim, porque mediu vento só até 50 metros de altura, e as eólicas atuais têm mais de 100 metros (a velocidade do vento aumenta com a altura).
Alternativas à parte, Tolmasquim vê uma parada para debate em relação à retomada mundial que vinha ocorrendo no setor nuclear. Vê a energia atômica mais cara e com obras de execução ainda mais lentas do que já são atualmente, por conta de novas especificações de segurança. Mas, dadas as condições de cada país, duvida, por exemplo, que a China volte atrás no seu programa de expansão, e acredita que, mesmo devendo passar por intenso debate, os Estados Unidos também seguirão em frente com seus planos.
O técnico do governo pondera também que a situação do Brasil não pode ser vista com os mesmos olhos com que se vê o acidente japonês, um país com geologia bem mais vulnerável do que a brasileira. Ele ressalta também que a tecnologia das duas usinas hoje existentes no país é bem mais segura, independentemente das condições geológicas mais favoráveis, com baixíssimos riscos de terremotos fortes e de tsunamis.
Fonte: valor.com.br