Quando os japoneses posam para tirar fotos, em vez de dizerem “Xis!”, alguns dizem “Manteiga!”. Mas, atualmente, a manteiga não tem sido inspiração para sorrisos, pois logo vem à mente o seu racionamento.
Conforme se aproxima a corrida para comprar os ingredientes do bolo do Natal, os mercados estão limitando as compras dos consumidores a um máximo de dois pacotes de manteiga cada. Na semana passada o governo anunciou seu mais recente plano para fazer “importações de emergência” e aliviar a escassez do produto.
O esgotamento dos estoques de manteiga decorre de vários fatores, incluindo o estresse das vacas leiteiras, a idade avançada dos agricultores, a alta nos custos e as restrições comerciais e aos preços.
O motivo oficial para a baixa oferta de leite usado na fabricação da manteiga é a produção mais baixa decorrente do clima inesperadamente quente no verão passado na ilha de Hokkaido, no norte do Japão, onde a maior parte dos alimentos é produzida.
O preço por tonelada de leite é mais alto do que o da manteiga, e os produtores estariam se dedicando menos à produção do artigo, que começa a faltar nas prateleiras cheias de alternativas.
Mas o agravamento da escassez é também sintoma de proteções da indústria que limitam as importações de produtos da fazenda e de uma resistência profunda a uma reforma de abertura dos mercados.
O primeiro-ministro Shinzo Abe terá dificuldade para cumprir as promessas de reforma mesmo que seu partido consiga mais apoio à política conhecida como “Abenomics” nas urnas durante a eleição de domingo.
Além das vacas cansadas e da dificuldade em produzir alimento para elas, a indústria dos laticínios é um dos muitos setores da economia japonesa em declínio. Os agricultores estão se aposentando sem que seus herdeiros estejam dispostos a assumir suas fazendas, e o preço da ração e do combustível aumentou muito, reduzindo os lucros.
O Japão tinha 417.600 fazendas produtoras de laticínios em 1963. Em fevereiro desse ano, o número de fazendas do tipo era 18.600, apesar de fortes subsídios do governo.
Os agricultores japoneses, como os dos Estados Unidos e de muitos outros países, são tradicionalmente protegidos da concorrência estrangeira, tanto para garantir certo grau de autossuficiência alimentar a esse arquipélago de escassos recursos quanto por razões políticas.
Apesar da promessa de Abe de modernizar a agricultura e “abrir um buraco” no burocrático sistema de interesses do país, seu governo pouco avançou além de estudar uma reforma agrária.
As tarifas sobre a importação de produtos agrícolas são em média 23%. No geral, o governo paga aos agricultores um subsídio de 12,8 ienes (US$ 0,11) por quilo de manteiga e 15,41 ienes por quilo de queijo.
Protecionismo
Fazendeiros do ramo dos laticínios como Shinjiro Ishibashi, dono de 300 cabeças de gado em sua fazenda em Chiba, a leste de Tóquio, contam com esse apoio. O lobby dos fazendeiros japoneses continua a ser um trunfo do Partido Liberal Democrata, atualmente no governo, que fala em reformas abrangentes mas, ao mesmo tempo, garante aos fazendeiros que continuará a defender seus interesses.
“Abe diz que vai preservar nosso ‘lindo Japão’, e espero que ele o faça”, disse Ishibashi, aludindo aos constantes elogios feitos por Abe ao estilo de vida tradicional da agricultura japonesa.
As políticas protecionistas para o setor agrícola do Japão são um dos motivos que impedem os 12 países envolvidos na negociação de um pacto comercial trans-Pacífico de chegarem a um acordo. Os negociadores reunidos em Washington essa semana parecem prestes a chegar ao final de mais um ano sem consenso.
Entre os países envolvidos na negociação do pacto comercial liderado pelos EU, o Japão tem o segundo maior mercado de alimentos, e os produtores estrangeiros de laticínios e outros gêneros estão ansiosos para entrar nele.
Mas os esforços para se chegar a um acordo mais abrangente esbarram em temas tratados como “território sagrado” como as caminhonetes, para os americanos, e a carne bovina, suína, o açúcar e o arroz para os japoneses.
Um estudo do governo japonês calculou que a abertura dos mercados agrícolas domésticos dentro do pacto comercial poderia reduzir a produção agrícola do país em cerca de 2,7 trilhões de ienes (US$ 22,5 bilhões), ou mais de 40% do total da produção do setor agrícola, de pesca e engenharia florestal.
Mas um relatório do departamento americano da agricultura questionou esse cálculo, dizendo que não são levados em consideração pontos como a limitação à oferta em outros países. O relatório do USDA estimou que a liberalização do mercado de laticínios poderia aumentar em cerca de 50% as importações japonesas de manteiga, chegando a cerca de 6 bilhões de ienes (mais de US$ 50 milhões).
A japonesa Agriculture and Livestock Industries Corp., conhecida como ALIC, supervisionada pelo Ministério da Agricultura, compra e vende produtos por meio de um processo aberto de leilão online, para ajudar a garantir a estabilidade dos preços e estoques, na prática subsidiando os agricultores e as manufaturas em situação de prejuízo.
Pensado para garantir estoques estáveis, o sistema parece agora incapaz de fazer isso, ao menos no caso da manteiga.
No Japão, a produção de leite bruto no ano fiscal encerrado em março foi de 7,45 milhões de toneladas, uma queda em relação ao auge observado de pouco mais de 8,6 milhões de toneladas em 1997. O consumo de manteiga per capita se manteve estável, na marca dos 2kg, durante cerca de uma década, enquanto o consumo de leite está em queda.
Além das importações de emergência, quadro grandes empresas locais de laticínios receberam ordens para aumentar a produção de manteiga para consumo doméstico em 30% no início de dezembro, reduzindo a produção de leite potável e creme, disse o Ministério da Agricultura.
O órgão disse que faria de tudo para estabilizar os estoques a partir do ano que vem.
Uma vitória de Abe nas eleições de domingo pode dar a ele pelo menos mais dois anos, e talvez mais, para enfrentar essas questões, disse Uri Dadesh, sócio do Carnegie Endowment for International Peace.
“Resta se ele vai implementar as reformas estruturais ou não”, disse ele em conferência telefônica com repórteres. “É preciso lembrar que este homem já conta com uma ampla maioria parlamentar a seu favor.”
Fonte: AP